segunda-feira, 30 de maio de 2011

Deputado Valmir Assunção (PT-BA): “por que votei não ao relatório de Aldo Rebelo”



28-Mai-2011
 
Ao assumir meu primeiro mandato como deputado federal, cheguei com um compromisso bem definido: defender a reforma agrária, tal como possibilitar mecanismos de incentivo à agricultura familiar e camponesa, fortalecendo os movimentos sociais do campo e da cidade. Meus compromissos também incluem a luta pelo desenvolvimento social e combate à fome, a defesa do conjunto dos direitos humanos, promoção da igualdade racial e de políticas para a juventude. Compreendo que um deputado federal, como extensão das lutas que acontecem nas ruas do nosso Brasil, deve manter a coerência e o lado pelo qual foi designado a estar num espaço, como é a Câmara dos Deputados.
 
Inicio este texto lembrando estas questões porque são justamente elas que me fizeram votar NÃO ao relatório do deputado Aldo Rebelo na noite deste dia 24 de maio. Praticamente, o relatório aprovado livra o agronegócio do adjetivo "desmatador" da maneira mais torta possível: ao invés de discutirmos formas de coibir a ação de um modelo de agricultura que visa a exportação de commodities produzidas sob o sistema de monoculturas, de desrespeito às leis trabalhistas e, muitas vezes, sem cumprir o preceito constitucional da função social da terra, o relatório do deputado Aldo Rebelo abriu as porteiras para que a expansão deste modelo predador avance sob áreas antes protegidas. Mais ainda: possibilita que os desmatadores sejam anistiados, absolvidos. Uma vergonha!
 
A agricultura familiar e camponesa, a responsável por mais de 70% da produção de alimentos, no entanto, em nada se viu beneficiada neste relatório. Por exemplo: o texto votado permite que áreas de até quatro módulos rurais sejam isentas de recomposição de reserva legal desmatada. Ora, do jeito que está não há diferença entre quem produz sob um modelo familiar e aquele que só usa sua propriedade para lazer de fim-de-semana ou mesmo em relação a um latifúndio dividido em várias matrículas, isentando-se de restrições da lei.
 
Vamos a outro exemplo: o texto permite que a compensação da reserva legal do agronegócio seja em qualquer parte do Brasil, dentro do mesmo bioma. Isso é um perigo para nós que lutamos contra a concentração fundiária, pois um mesmo latifundiário pode se aproveitar da especulação de terras, principalmente em regiões mais baratas e em terras de pequenos agricultores, para comprar mais áreas a fim de recompor reserva.
 
Ainda atendendo o latifúndio, o texto de Aldo Rebelo não acatou a demanda que criaria o fundo ambiental para a pequena agricultura, ou seja, o pagamento para que o camponês(a) possa garantir reserva legal de florestas e vegetação nativa. A proposta, que tem o apoio da presidenta Dilma e é proveniente dos movimentos sociais do campo e sindicatos da agricultura familiar foi simplesmente ignorada pelo relator.
 
A emenda 164 termina de consolidar o pacote do agronegócio. A medida dá poder aos estados para definir política ambiental e determina que poderão ser mantidas as atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em Áreas de Preservação Permanente (APPs), caso o desmatamento tenha ocorrido até 22 de julho de 2008, ou seja, liberação sem limites, mais devastação ambiental e descaracterização de todo o avanço que o governo já tinha obtido nas negociações junto ao relatório.
 
E não para por aí: o relatório libera a criação de camarões em áreas próximas aos mangues. Permite que espécies exóticas sejam plantadas em metade das áreas das reservas legais dos grandes proprietários: isso é o mesmo que escrever às transnacionais de plantio de eucalipto, como as do sul da Bahia, que fiquem sossegadas, porque será aumentada a área em que poderão lucrar, mesmo que destruam a terra, os mananciais de água que possuímos e não gerem empregos...
 
Não me somo a isto. Minha luta, minha história e meu mandato não coadunam com tamanha irresponsabilidade. Infelizmente, mesmo com os seminários realizados, manifestações de rua em vários estados do país, o que foi visto na Câmara dos Deputados foi uma ação que envolve manobra política deliberada, ao confundir agricultura para exportação com produção de alimentos; chantagem, ao envolver episódios políticos que nada têm a ver com o tema em questão; oportunismo de tantos que ali votaram em causa própria, seja porque querem expandir seu latifúndio em detrimento das vegetações nativas, seja porque devem ao Estado brasileiro por já terem desmatado ilegalmente.
 
Defender a agricultura familiar e camponesa também é defender o meio ambiente, nossas matas e florestas, nossos rios, nossa terra, porque precisamos deles para sobreviver. Faz parte da nossa cultura camponesa. Este relatório é uma afronta a tudo que construímos, enquanto camponeses e camponesas. Mas a luta ainda não acabou e seguiremos em vigília para que o retrocesso não se consolide no Senado e nem no Executivo.
 
Valmir Assunção é deputado federal pelo PT-BA, vice-líder do PT na Câmara e militante do MST-BA.

Correio Cidadania

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