Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a radiodifusão é,
assim como a energia, o transporte e a saúde, um serviço público que, para ser
prestado com base no interesse público, requer regras para o seu funcionamento.
No caso das emissoras de rádio e TV, a existência dessas regras se mostra
fundamental em função do impacto social que têm as ações dos meios de
comunicação de massa, espaço central para a veiculação de informações, difusão
de culturas, formação de valores e da opinião pública.
Lembram os teóricos que a necessidade ou não de regulação de
qualquer setor e a intensidade e o formato dessa regulação estão condicionadas
justamente ao poder potencial que tal setor tem para mudar as preferências da
sociedade e dos governantes. Assim, quanto maior o poder de um determinado
setor e o desequilíbrio democrático provocado, maiores a necessidade e a
intensidade de regulação por parte do Estado.
Portanto, à medida que, ao longo da história, crescem a
presença e influência dos meios de comunicação de massa sobre a sociedade,
aumenta a necessidade de o Estado regular este poder. Não para definir o que as
emissoras podem ou não podem dizer, mas para garantir condições mínimas de
operação do serviço de forma a manter o interesse público – e não o lucro das
empresas – em primeiro lugar.
Vale lembrar também que, além de um serviço público, a
comunicação eletrônica representa um setor econômico dos mais importantes do
país. Assim como outros, precisa do estabelecimento de regras econômicas para o
seu funcionamento, de modo a coibir a formação de oligopólios ou de um
monopólio num setor estratégico para qualquer nação.
Por fim, o simples estabelecimento de uma regulação da
radiodifusão não pode ser tachado de cerceamento da liberdade de imprensa ou
então de censura porque é isso o que diz e pede a própria Constituição
brasileira de 1988, ao estabelecer princípios que devem ser respeitados pelos
canais de rádio e TV.
No
entanto, mais de vinte e cinco anos após sua promulgação, nenhum artigo de seu
capítulo V, que trata da Comunicação Social, foi regulamentado, deixando um
vazio regulatório no setor e permitindo a consolidação de situações que
contrariam os princípios ali estabelecidos.
Os
efeitos da não regulamentação constitucional são evidentes:
- O artigo 220, por exemplo, define que não pode haver monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica. Hoje, no entanto, uma única emissora controla cerca de 70% do mercado de TV aberta.
- O artigo 221 define que a produção regional e independente devem ser estimuladas. No entanto, 98% de toda produção de TV no país é feita no eixo Rio-São Paulo pelas próprias emissoras de radiodifusão, e não por produtoras independentes.
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Já o artigo 223 define que o sistema de comunicação no país deve
respeitar a complementaridade entre os setores de comunicação pública, privada
e estatal. No entanto, a imensa maioria do espectro de radiodifusão é ocupada
por canais privados com fins lucrativos. Ao mesmo tempo, as 5.000 rádios
comunitárias autorizadas no país são proibidas de operar com potência superior
a 25 watts, enquanto uma única rádio comercial privada chega a operar em
potências superiores a 400.000 watts. Uma conta simples revela o evidente
desequilíbrio entre os setores.
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Por fim, o artigo 54 determina que deputados e senadores não podem ser
donos de concessionárias de serviço público. No entanto, a família Sarney, os
senadores Fernando Collor, Agripino Maia e Edson Lobão Filho, entre tantos
outros parlamentares, controlam inúmeros canais em seus estados. Sem uma lei
que regulamente tal artigo, ele – como os demais da Constituição – torna-se
letra morta e o poder político segue promiscuamente ligado ao poder midiático.
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Regular
os meios de comunicação de massa neste sentido está longe, portanto, de
estabelecer práticas de censura da mídia. Trata-se de uma exigência
constitucional de definir regras concretas para o funcionamento destes veículos
no sentido de atender aos objetivos definidos pela sociedade em sua carta
maior.
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